Paganismo no Piauí

Ritual pagão em Teresina
Atualmente o termo “paganismo” é usado para definir várias vertentes religiosas de raízes européias que apresentam traços semelhantes entre si. Esses traços são: culto politeísta (adoração a mais de uma representação divina), de origem pré-cristã e centrada no culto à natureza e seus ciclos (honra aos deuses em festivais, rituais e manifestações representativas dessas forças). Na atualidade, podem ser encontradas algumas vertentes pagãs que se tornaram mais conhecidas e populares devido ao fenômeno da globalização. Algumas dessas vertentes são o Asatrú (chamado de bruxaria nórdica), a Stregheria (chamada de bruxaria italiana), o neodruidismo e a Wicca (com raízes celtas). Os membros da maioria das vertentes pagãs conhecidas atualmente se auto denominam “bruxos”, palavra cuja etimologia é desconhecida, mas suspeita-se que deriva dos termos celtas brixtã (feitiço), bixto (fórmula mágica) ou brixtu (magia).

9º Encontro Místico do Piauí em Teresina
O paganismo, ou neopaganismo (como também é chamado) começou a se popularizar no mundo a partir da revogação da última lei contra a prática da bruxaria na Inglaterra. Depois desse fato, começaram a ser publicados vários livros que abordavam o assunto, o primeiro e mais famoso dentre eles é a obra do antropólogo inglês Gerald Gardner, intitulada “A Bruxaria Hoje”, publicada na década de 1950.


Como podemos notar o impulso inicial para a divulgação dessa religiosidade foi a literatura, mas logo as ferramentas de divulgação mais modernas - o cinema, a TV, as revistas e especialmente a internet - surgiram e desempenharam função importante para a difusão desses valores. Foi através da literatura que a bruxaria (e a wicca) começou a ser difundida no Brasil, a primeira autora brasileira a escrever sobre o tema foi Márcia Frazão (em meados de 1990), que inclusive morou no Piauí. Posteriormente surgiram outros autores com publicações populares. Atualmente a internet pode ser considerada a principal e mais crescente plataforma midiática de divulgação de manifestações do movimento pagão brasileiro. Existe até mesmo um mapa da bruxaria no mundo, divulgado pela Federação pagã da Escócia, que aponta o Brasil como um dos países em que o número de pagãos é considerado um dos maiores (em torno de 10.000 a 50.000 pagãos). A maior comunidade pagã em um site de relacionamentos (Orkut), se chama “Sociedade Wicca/ Bruxaria” e possui 32.087 membros (dados coletados em 01 de setembro de 2010).

Mapa do Paganismo no Mundo

Em diversos países europeus muitas pessoas têm buscado a reconexão com as raízes espirituais nativas de suas regiões. São grupos espalhados por toda a Europa, e também por outras partes do mundo. São grupos que resgatam as crenças e práticas nacionais, praticadas por seus ancestrais pré-cristãos. Os neopaganismos nacionalistas tem crescido em todo o mundo, pautados no fortalecimento da família, da ancestralidade sagrada e da valorização da espiritualidade da Terra.

Mapa mostrando diferentes tradições pagãs nacionais

No Brasil, a Wicca e suas tradições (ou subvertentes) é a religiosidade pagã mais presente atualmente, reconhecida oficialmente como religião. No Piauí, segundo documentos encontrados pelo historiador e antropólogo Luís Mott, no Arquivo Nacional da Torre do Tombo (em Portugal), há registros da presença de práticas de “bruxaria” na cidade de Oeiras, na época do Piauí colonial. É importante salientar que as práticas de bruxaria no Piauí colonial devem ser classificadas de maneira diferente dos movimentos pagãos atuais, pois são de contextos históricos e princípios ideológicos bastante distintos. O caso da bruxaria em Oeiras parece se referir muito mais a um movimento de protesto contra a igreja do que a uma manifestação pagã.

Magos, bruxas e simpatizantes reunidos no 10º E.M.PI (Outubro/2008)
No período contemporâneo as práticas pagãs (ou neo-pagãs) surgem no Piauí por volta da década de 90, sob influência das tendências New Agers, implantação de lojas e livrarias voltadas para artigos místicos, insatisfação religiosa com o culto predominante no Estado e a popularização da internet (em especial dos sites de relacionamentos).

“Dos anos 70 para o início do século XXI, o fenômeno New Age tem se expandido, diga-se, em âmbito mundial, não só através de publicações de jornais, revistas, livros, programas de televisão, vídeos, cinema, chats, compacts disks, sites, mas também através da realização de encontros, conferências e festivais. Toda essa complexa rede, veiculada via meios de comunicação de massa, engendra a circulação de um sistema de valores os quais vão encontrar respaldo no individualismo utilitário, pois estão condicionados às leis de mercado (oferta e procura). Ou seja, aquilo que lhe serviu de impulso inicial, crítica ao individualismo utilitário, à indústria, entre outros, pasa, paradoxalmente, a caracterizar o fenômeno a partir da entrada em cena dos mass media.” (CAVALCANTE, Francisca Verônica. Os Tribalistas da Nova Era. Teresina, Fundação Quixote, 2009; p.53)


1º Encontro Místico do Piauí (11/07)

A prática da chamada “bruxaria solitária” é um fenômeno predominante no Brasil e no Piauí. É ocasionado especialmente pelas barreiras geográficas, já que em muitos casos os praticantes e estudiosos da bruxaria moram em regiões distantes uns dos outros, dificultando o contato físico. Esse é um dos motivos pelo qual a internet desempenha uma função tão importante para a conexão e intercâmbio entre os membros desse movimento.

“A comunidade virtual, no caso das bruxas, é uma comunidade real, que promove encontros face a face e interações de diversos níveis. Ela é uma extensão do mundo concreto vivido por seus atores que, espalhados geograficamente por uma enorme extensão territorial, não seriam, de outro modo, capazes de manter contato. A questão territorial é importante no caso das bruxas: como analisado por meio dos questionários, mais da metade das bruxas reside na região Sudeste, espalhadas por seus quatro estados. Os principais núcleos de bruxaria no país (SP, RJ, MG, DF e PR) estão distantes para que se formasse uma comunidade regional. A internet tornou-se o único instrumento capaz de aglomerar bruxas de todo o país em relacionamento e comunicação contínuos.” (OSÓRIO, Andréa. Bruxas Modernas na Rede Virtual: A internet como espaço de sociabilidade e disputas entre praticantes de wicca no Brasil. Sociedade e Cultura, Janeiro-Junho, Año/vol. 8, nº 001. Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Brasil; p.136)

Bruxos reunidos em Teresina
Analisando a internet como um locus de sociabilidade desse movimento, é mais fácil ter uma noção da importância que essa ferramenta possui para o grupo, ainda mais se analisarmos e compararmos o espaço fornecido (aos pagãos) por outros meios de comunicação de massa (TV, Jornais impressos, rádio, etc.).

“Na modernidade, os meios de comunicação têm um papel fundamental. A televisão e a imprensa, no caso das bruxas, servem como veículos que alcançam o público além de seu grupo, levando a bruxaria para outras pessoas. Esperam, com isso, ajudar àqueles que não encontram informações sobre a wicca, tanto quanto desmistificar a figura da bruxa, associada à pratica do malefício. Além disto, a televisão e a imprensa tornam-se espaços do próprio grupo da wicca no país. Aquela que tem acesso a esses meios vê sua identidade de bruxa legitimada e reforçada, especialmente perante a massa de não bruxos.” (OSÓRIO, Andréa. Bruxas Modernas na Rede Virtual: A internet como espaço de sociabilidade e disputas entre praticantes de wicca no Brasil. Sociedade e Cultura, Janeiro-Junho, Año/vol. 8, nº 001. Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Brasil; p.136)

4º E.M.PI (Fevereiro/2008)
A internet é, de fato, o veículo predominantemente usado pelo grupo para entrar em contato e estabelecer relações, trocar informações e debater opiniões sobre a religiosidade pagã, através de listas de discussão, chats, sites, e-books, homepages e outras ferramentas desse veículo. Nesse sentido, é importante refletir sobre o impacto que esse veículo tem, enquanto nova tecnologia, na formação de novos grupos, reprodução e manutenção dos mesmos.

De acordo com uma pesquisa desenvolvida por Andréa Osório, os pagãos internautas do Brasil possuem cacacterísticas em comum, o que possibilitou traçar um perfil dos mesmos. São, em sua maioria, praticantes isolados, com números mais significativos no Rio, São Paulo e Brasília, mas que também estão presentes em outras regiões. As faixas etárias dos usuários revelam que os mais jovens são maioria no movimento (internet e bruxaria).

Encontro Místico em Parnaíba, no litoral piauiense

Antes do boom da internet e dos conhecidos sites de relacionamentos, alguns adeptos do pagansimo no Piauí se correspondiam por meio de “carta social”, hábito que pode ser considerado extinto a partir do aumento do número de lan houses em Teresina e em outras cidades. No Piauí é possível encontrar um número ainda pequeno de adeptos do paganismo, mas que vem crescendo justamente pela abertura de espaço de divulgação proporcionado pela internet. A maioria se denomina adepto da Wicca, mas como esta é uma vertente com diversas subvertentes, a variedade de conceitos e práticas é facilmente identificada entre esses membros. O ecletismo e as interpretações pessoais que dessa religiosidade são ferramentas de adaptação da qual muitos bruxos locais usaram para adequar suas práticas ao contexto e a realidade que vivenciam. Apesar de também possuir adeptos em várias cidades, é em Teresina que o movimento pagão ocorre com mais notoriedade, principalmente na internet, onde é possível encontrar o perfil de vários pagãos em sites de relacionamentos como o Orkut. Na Capital, os encontros e interações possibilitados pela internet possibilitaram aos pagãos que se encontrassem também no mundo real, em piqueniques e reuniões realizadas em áreas próximas à natureza (o primeiro desses encontros pagãos, possibilitados por intermédio da internet foi realizado por volta de 2006/2007). O Ciberespaço é, portanto, um ponto de encontro e socialização fundamental para o grupo estudado (através de fóruns e listas de discussões, e-books, textos, etc.).

Abaixo, um mapa da Bruxaria no Piauí. As áreas escuras mostram as regiões onde é possível encontrar adeptos do paganismo no Estado. O mapa foi desenvolvido com base em pesquisas realizadas pelo Jornal "O Bruxo" entre pagãos piauienses.


Acima, municípios piauienses com pagãos registrados pelo Jornal "O Bruxo"

Abaixo, veja o mapeamento virtual mostrando a distribuição de pagãos pelo território piauiense.